Ainda Agosto e já, em todo o lado e de todas as maneiras se apregoa o regresso às aulas. Este, na realidade, não quer dizer nada, não significa nada a não ser assinalar a época de comprar roupa nova de inverno e meia-estação aos miúdos, novos livros escolares e de voltar à rotina que Junho deixou para trás. Não significa mais nada, mesmo mais nada. Não é leve, como se esperaria, mas pesado, denso, sufocante. Alguém sente renovação ou entusiasmo durante mais do que uns minutos em torno das compras recém-efectuadas? O regresso às aulas é o ritual que confirma a nossa prisão, que renova o nosso contracto de vida durante um ano mais. Não há nele surpresa ou aventura... arrastamos os nossos grilhões. É quase completamente deprimente, se olharmos além de argumentos como “vais rever os teus amigos” - que muitas vezes nem são amigos e , de qualquer modo, não deixa de ser absurdo que não se tenham podido rever quando quiseram e se quiseram durante o verão. É um argumento que não é argumento, é um cliché da Floribela, numa sua qualquer versão actual... é piroso, estafado, falsamente cor-de-rosa e feliz. Falta-me a paciência, é certo, para ver tantas desculpas, tantas coisas em que os nossos reis ou imperadores vão nus no nosso estilo de vida, que não é um estilo de vida mas uma modalidade de prisão. Já tinham percebido que estamos todos mais ou menos em detenção, não tinham? E que ela nos é descrita com cores variadas e com argumentos intelectualizados e tolos que não satisfazem nem o intelecto nem o coração..? E por isso levamos vidas infelizes. Sim, por isso levamos vidas infelizes...porque fazemos de conta que somos felizes, que as coisas fazem sentido quando.. elas não estão de acordo com a nossa natureza ou as nossas necessidades. Uma das instituições em que isso me é mais claro é em relação à escola, uma espécie de nó de sistema que tem de ser desatado. Com tudo o que possa escrever não pretendo transmitir a ideia de que docentes, discentes, auxiliares ou pais ( que não deviam vir no fim da lista) são em si tolos ou mal intencionados nem que não têm ou tiveram verdadeira paixão pelo que fazem. Dito isto, a escola é uma aberração e uma mentira a múltiplos níveis, a escola comum, a escola que mais ou menos nós todos temos na cabeça. É uma aberração porque dela foram excluídos os mais básicos direitos humanos, entre eles os da escolha e da auto-determinação. A escola é compulsiva, como as prisões e, aí, reside parte da sua natureza e dos seus problemas. Custa a ouvir? Pois! Nenhum outro grupo demográfico, excepto os inimputáveis perigosos e os velhinhos senis é, na nossa sociedade, inserido em condições relacionais, sociais, cognitivas, físicas etc a que não pode bater com a porta. A escola não devia ser o siíio que permite que um grupo social seja isolado – inclusivamente da família -para que outros grupos sociais e precisamente, a família, possam trabalhar. E trabalhar aqui não significa produzir, criar ou contribuir. Não, nada disso, isso não impediria a participação de crianças e jovens nem tornaria necessário “encaixá-los” tão grande parte das suas vidas. Trabalhar aqui é mesmo no sentido escravo, fazer o que lhe é dado fazer, onde lhe é dado fazê-lo de modo a poder comer e alojar-se. E aceitar, com argumentos pedagógicos mal encaixados que os filhos sejam criados em ambientes artificiais para fazerem mais do mesmo. Pelo caminho, reprimir todas as manifestações humanas que, estruturalmente, sejam incompatíveis com as instituições criadas, perante as formas cada vez mais disfuncionais que os seres humanos vão encontrando para expressar a sua dor e o seu desajuste. É como manter a jaula limpa e usar argumentos médicos para enfiar leões num zoo: podem ter boas condições sanitárias (e levarem com antibióticos em cima de que não teriam necessidade), mas ser leão não tem nada a ver com aquilo...
E assim vamos mentindo a nós mesmos. Já nem mentimos tanto ao dizer que a ausência da escola enquanto instituição deixaria os miúdos incultos e inaptos: já percebemos que o mundo está cheio de formas e recursos para aprender. Não, o fantasma é o da “socialização”.... como se, de há um século e tal a esta parte, tivéssemos descoberto o que é a boa socialização humana e a tivéssemos implantado nas escolas. Como se não fosse anómalo, isso sim, que só possamos encontrar pares se estivermos na “escola” ou, mais anómalo ainda, como se fosse muito interessante, desafiante ou integrador passarmos anos enfiados na mesmidade social: gente da mesma língua, a fazer as mesmas coisas, no mesmo local, com outros da mesma idade. Isto é a descrição de um ambiente paupérrimo. Há que dizê-lo com verdade e com coragem e deixar de lado as pinturas parvas (pequenas, minimizantes) que nos são dadas e que, para nossa tranquilidade, alimentamos em conjunto. Esta é, talvez, uma das piores formas de criar e educar seres humanos – a seguir aos campos de concentração, à pobreza extrema de África para que preferimos não olhar ou a outras situações extremas. Isso não significa que seja adequada para nós. E tudo isso não só sentimos como, na realidade, sabemos. Como sabemos que vivemos numa prisão sem grades, numa prisão não dita. E perante isso de facto, podemos escolher ou não atitudes corajosas e inteligentes ou o sono. Ligamos a tv, ou ligamos a net, e vemos sinais de despertar. Em Portugal, na educação em especial, também há sinais de mudança (os encontros do MEL, o Tedx - mais ou menos) e outros avulsos.
Mas então o que trará a mudança? Novos métodos pedagógicos? Escolas experimentais? Empreendedorismo social? Talvez um pouco disso tudo e algumas outras coisas mas hoje apetece-me propor o método de Sócrates: a Verdade, afirmada e vivida com coragem! A Ética!
Sim, no mundo financeiro parece que a verdade esta a caminho de trazer mudanças. Mas refiro-me à verdade dita por todos e por cada um. Isto, garanto, é revolução suficiente: sempre que o Rei vai nu, digamo-lo! Quando algo insulta a nossa inteligência e sensibilidade, quando nega a nossa humanidade, afirmemo-lo e não o queiramos para nós nem para os mais próximos. Em poucos meses teríamos um mundo novo. Talvez isto pareça pouco radical ou colorido, e, muito cultamente poderia citar o Thoreau que já tinha percebido que qualquer pessoa mais justa que os seus semelhantes constitui desde logo uma maioria de um ou que a acção que parte de princípios é, em si mesma revolucionária. Porém, com exemplos podemos ilustrar facilmente o que compreendemos.
Uns pais de uma criança pequena atingem o limite dos meses de licença de parto. A imagem , kitch e cliché é que as crianças devem agora ir para as creches, isso é bom para o seu desenvolvimento. Os pais sentem em todas as suas fibras que isso não é assim e, mais que tudo gostariam de acompanhar o seu filho mas não podem, por razões económicas. Vamos dizer a verdade: não pomos as crianças nas creches por ser bom para elas mas porque não temos outra escolha, temos de trabalhar para ganhar dinheiro – não podemos escolher funcionalmente sobre as nossas vidas ou sobre a maneira como criamos a nossa família Estamos, portanto, presos. Sabemos, nessa altura, que são tretas pedagógicas e alguma intimidação dos “peritos” e social o que nos faz levar os filhos para as creches. Mentimos, portanto a nós mesmos, juntamo-nos à mentira. Quando alguém não se junta à mentira isso incomoda-nos, vemos nela um pouco da promessa do que a nossa vida poderia ser se...
O nosso trabalho, na maioria não é trabalho, é servidão... servidão e não serviço porque não serve a nossa alma nem a alma humana, nem o planeta. Serve alguém e os interesses de alguém. Como falaremos disto dizendo a Verdade?
Ligamos a tv e anunciam-nos um chá (atenção: engarrafado e com corantes) que é uma bebida saudável porque é feito com água mineral. É absurdo, não é? A seguir, um anuncio de anti-transpirantes. Devia ser claro para nós que não se anunciam como saudáveis, basicamente... porcarias destas. Que mentir ao público sobre escolhas que são importantes para a sua longevidade e saúde gerais podiam, se não tivéssemos medo, senão fossemos escravos, ser assunto de cadeia. Mesquinho? E quem é quem para prejudicar de ânimo leve, irresponsavelmente e com fito no lucro pessoal, a saúde de outros seres humanos?
E todas as outras mentiras, todas as outras piroseiras atrofiantes que associam a necessidade do novo e de navegação por múltiplos estados de ser com bebedeiras, comportamentos grosseiros e muitas manifestações groncs e feias? Não vos insulta a sensibilidade serem vistos assim? Que os seres humanos sejam retratados como uma espécie tão grossa e limitada que a alternativa ao trabalho escravo, à vida escrava seja o divertimento que os mantém ainda mais aquém? Não vos violenta isto? Não vos violenta que moles e moles humanas nunca cheguem a descobrir a sua vocação ou os seus talentos ou que tenham que desenvolvê-los de forma incipiente e marginal às suas “vidas”? Conseguem olhar para uma multidão enfileirada numa avenida de verão, entre ferormonas artificiais, roupas foleiras, animais mortos a assar, animais mortos em menus, miúdos a chorar de sono, pais impacientes por evasão e um céu cravejado de estrelas diamantinas que ninguém vê excepto os que se vão ganzar para a praia e ver o potencial reprimido e tudo o que poderiam ser?
Querermos, como Sócrates, o Justo, o Belo, o Verdadeiro é o que de mais radical e revolucionário podemos fazer !!