E a propósito de representação e de participação, tenho notado a imensa explosão de cidadania e empreendedorismo que está a ter lugar neste país. Não será o tal empreendedorismo empresarial, em que todo o governo e a banca têm os olhos postos. Mas uma coisa mais profunda e criadora que é o empreendedorismo social, espiritual, cultural num sentido lato. De repente, à minha volta, todas as pessoas estão envolvidas e fazem acontecer coisas extraordinárias com os meios mais importantes de todos que são a vontade e a colaboração. Uns criam associações que trazem à consciência colectiva um qualquer tema social; outros realizam documentários e curtas-metragens; outros ainda escrevem livros em que se casa a saúde individual e dos grandes grupos humanos; há quem vá rebuscar grandes pensadores nacionais, quem toque genialmente guitarra. Há gente que reaprende a cultivar hortas e a cuidar das florestas; quem ensine as propriedades das plantas; quem estude a fecundidade cultural do encontro Ocidente/oriente. Há quem mova céus e terras para que outros possam ter acesso aos mesmos tratamentos de vanguarda do cancro de que puderam beneficiar. Criam-se directórios, listagens. Partilham-se recursos on-line. Faz-se de tudo, de todas as maneiras naquilo que já se percebe que é um imenso, extenso e profundo diálogo colectivo, nacional no sentido mais lato que lhe é dado por alguns pensadores de Portugal enquanto processo evolutivo transnacional e planetário. A aventura não nos espera no futuro: percebam, nós já embarcámos! De uma forma mais ou menos pessoal, mais ou menos colorida pelos tons de cada um, já nos assumimos como agentes e como construtores deste país que é uma civilização. Na realidade, a dificuldade não é já aquilo que os governantes que muitos sentem que não nos representam fazem ou deixam de fazer mas aquilo que, em grande parte como resultado da sua acção, temos mais dificuldade em fazer. Ou seja, a medida em que são um estorvo para o progresso civilizacional. Isto parece-me algo de extraordinário e de inovador, aquilo que me mostra que a aventura já começou e as velas já foram içadas. Sim, já apanhámos os ventos de um outro tempo, de um outro sol. E este vento é soprado por valores planetários, por valores de realização humana e ambiental e por isso não pode já ser parado. Não somos poucos, como nos temos iludido a pensar: somos imensos, todos diferentes, todos únicos. E somos talentosos, interessantes, interessados, profundamente implicados nas coisas, às vezes movidos por impulsos que não compreendemos completamente mas cuja acção nos realiza e equilibra, que é profundamente salubrizante. Vejo que em parte o nosso mal-estar colectivo talvez seja aquele que em dada altura foi o meu: permanecer inactiva à procura de um pré-designio que me mostrasse o meu talento ou a minha missão. Mas só se conhece o caminho ao caminhar e é quando deixamos de lado a ideia de uma missão ser descoberta e nos envolvemos com o que pede a hora que a nossa capacidade e o nosso talento se revela, muitas vezes de forma múltipla e aparentemente desconexa. Será esse o espírito de improviso português? Não serão improviso uma transcendência do raciocínio, uma compreensão de motivos e valores de ordem mais intima e transversal? Da mesma maneira, é quando Portugal poe ao serviço de todos, ao serviço da hora, os seus talentos, a sua inventividade, a sua curiosidade, os seus interesses e o seu espírito fraternal que se torna construtor da civilização.
Podemos por vezes pensar, como nos mostra uma parte dos media, que o poder está colado de forma muito próxima ao dinheiro. Parece que a capacidade de ditar regras e de organizar a sociedade, ou o conjunto dos portugueses ou dos seres humanos provem dos governos, das corporações ou dos bancos. Mas temos de compreender que qualquer poder com uma única base de sustentação é muito frágil. Carece de estrutura interna, de organização e de movimento verdadeiros – é artificial. Não contribui, não acrescenta valor, não cria nem cuida. E, por isso, cairá na sua hora. E nessa altura vamos ver que há toda uma outra sociedade global, variegada, em muitos casos muito diferenciada, culturalmente trabalhada, que já ensaiou e pôs em movimento algo de realmente novo e mais autêntico, com múltiplas bases de sustentação.
Sabe bem, não sabe?, compreendermos que já embarcámos à aventura e, numa sinfonia que aos poucos se apura, dirigimos as novas naus!